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Ilustração

No campo do design editorial, a especificidade do público-alvo exige abordagens diferenciadas na construção da narrativa visual e textual. Essa premissa se torna ainda mais evidente ao analisarmos o segmento de livros infantis, onde a ilustração assume um papel protagonista, moldando fundamentalmente a experiência de leitura. Conforme Datus C. Smith Jr. (p. 164) aponta, "Para muitos tipos de livros as ilustrações são meros adorno. Para os livros infantis, entretanto, as ilustrações podem estar no centro de interesse do leitor, e ser tão essenciais para o objetivo do livro que seria impensável publicar o livro sem elas." Essa assertiva sublinha a indispensabilidade da ilustração no contexto editorial infantil, elevando-a de um elemento secundário a um componente intrínseco à própria concepção e recepção da obra.

 

Pato! Coelho!, de Amy Krouse Rosenthal (texto) e Tom Lichtenheld (ilustrações), nasceu a partir de uma experiência entre os autores, quando Rosenthal viu seu amigo desenhar a conhecida figura ambígua do pato-coelho — uma imagem que alterna entre dois animais, dependendo da percepção de quem observa

"O que digo através das imagens não deve ser dito pelas palavras, e vice-versa."

 

Jutta Bauer, autora de Mamãe zangada, Selma, O anjo da guarda do vovô, entre outros, em entrevista para a revista Quatro Cinco Um.

A importância do(a) ilustrador(a), nesse cenário, é tal que, segundo Smith Jr. (p. 164), "o papel do ilustrador é tão importante que muitos dos grandes livros para crianças foram preparados em conjunto pelo autor e o ilustrador ou — nos casos felizes em que ambos os talentos estão fundidos em uma só pessoa — por um autor-ilustrador que concebe e desenvolve a escrita e a ilustração do livro numa só operação."

 

Nesse sentido, a metodologia ideal para a produção editorial de obras infantis, conforme proposto por Smith Jr. (p. 164), reside na "estreita colaboração do autor, do ilustrador, do 'designer' e do impressor", com a ressalva crucial de que "A consulta do ilustrador ao 'designer' e ao impressor deveria, se possível, acontecer desde o começo do trabalho, no estágio em que as pinturas foram planejadas, mas ainda não executadas." Tal integração colaborativa, desde as fases iniciais do projeto, visa assegurar a sinergia entre os elementos textuais e visuais, bem como a adequação técnica da produção, culminando em uma obra editorial coesa e eficaz para o público infantil.

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Achou?, de Aline Abreu (texto e ilustração). Neste livro, a imagem atua como complemento direto do texto, oferecendo respostas às perguntas propostas. O diálogo entre palavra e ilustração instiga a curiosidade, convida ao olhar atento e cria uma experiência de descoberta e diversão para o/a leitor/a.

A diversidade de técnicas, traços, cores — ou até a ausência delas — evidencia a riqueza de possibilidades na criação de livros ilustrados. Um exemplo marcante são os traços simples, quase como um croqui, presentes em A árvore generosa, de Shel Silverstein, que demonstram como a expressividade pode surgir mesmo da maior economia de recursos gráficos.

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A árvore generosa, de Shel Silverstein (texto e ilustração)

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Chupim, de Itamar Vieira Junior, em coautoria com a artista plástica Manuela Navas

A gênese da narrativa no livro infantil ilustrado

Ainda é pertinente questionar: o que foi concebido primeiro, o texto ou a ilustração? Ou ambos teriam sido elaborados de forma simultânea e integrada? Que critérios determinaram, por exemplo, a quebra do texto em determinada página, em vez de sua continuidade? Houve, desde o início, uma preocupação com escolhas de formatação que pudessem potencializar a expressividade da obra?

Compreender esse processo em sua totalidade é fundamental para o trabalho do designer, que assume um papel central na concretização da visão criativa dos autores e editores. Cabe a ele assegurar que cada elemento contribua para uma experiência de leitura envolvente, fluida e significativa.

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Quando as coisas desacontecem, de Alessandra Roscoe (texto) e Odilon Moraes (ilustração). Moraes aposta em uma ilustração contida, quase minimalista, em contraste com os visuais chamativos comuns em muitos livros infantis. Essa simplicidade dá espaço ao silêncio e à delicadeza do texto, abrindo margem para que o/a leitor/a reflita e complete a cena.

Para Lins (2003, p.48), "A técnica e o estilo das ilustrações destinadas a literatura infanto-juvenil não necessitam seguir nenhuma norma. A técnica, o estilo, o traço, tudo tem que trabalhar em conjunto, a favor do livro." O autor acrescenta que "qualquer técnica é permitida, contanto que esteja conceitualmente embasada e seja passível de reprodução dentro da verba estipulada pelo cliente." 

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Estátua!, de Renato Moriconi (texto e Ilustração). Ilustrações com traço expressivo e cores aplicadas em textura manual, próximas ao giz de cera ou lápis de cor. A paleta reduzida e os contornos irregulares reforçam a ideia de movimento, em uma composição que privilegia o gesto e a ação dos personagens sobre o cenário.

A mamãe do pintinho, de Heena Baek. A ilustração em carvão e lápis explora texturas, linhas expressivas e um jogo entre humor e estranheza, que desconstrói a representação tradicional de personagens animais. O olhar oblíquo do gato e o enquadramento aproximado reforçam a intensidade da cena, criando certo desconforto visual que, ao mesmo tempo, intriga e diverte. Esse tipo de escolha estética revela a importância da diversidade nas ilustrações de livros infantis: ao sair do previsível e do “fofo”, a narrativa visual amplia repertórios, estimula diferentes percepções e mostra às crianças que a literatura pode dialogar com múltiplas sensibilidades – do lúdico ao inquietante.

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